Futebol feminino e a necessidade de escrever com o martelo

Por Lu Castro

Seria muito fácil e cômodo, dentro do que entendo como ato de escrever, determinar como objeto de observação, análise e opinião, o futebol praticado pelos homens. Teria dados disponíveis nas mais variadas formas. Informações minuto a minuto, se assim precisasse. Teria um universo de manifestações culturais cujo tema central é este futebol tão bem cercado de informações.

Sim, seria de uma comodidade que não condiz com meu habitual cotidiano, e, portanto, infalivelmente enfadonho e desnecessário.

Washington Alves

Washington Alves/Exemplus/COB

Mas há décadas o futebol das mulheres é urgente. O universo da mulher futebolista, sempre tão atacado pela necessidade de apagamento, resiste e sobrevive em meio a assédio, abuso, extorsão, incompetência na gestão e aproveitadores dos mais diversos calibres.

Sabedora deste cenário, não só por se tratar do futebol, mas também por ter nesta prática esportiva em particular, uma representação do mundo como ele é, o tomei como mote, como trabalho e como militância.

E, por experiência própria, sei que ao se abraçar o assunto e adentrar seus bastidores, é impossível seguir distraído.

Ainda que a modalidade “escape” cotidianamente aos olhos da grande e tradicional mídia e tenha alguma atenção em grandes eventos esportivos como os Jogos Olímpicos, há um universo de informações pouco ou mal exploradas que ainda denotam ausência de análise e cuidado com temas claramente misóginos.

Ter o futebol feminino como tema central de um trabalho, que já dura quase uma década, tem me exposto aos mais diversos sentimentos: da alegria de algumas conquistas no âmbito geral a estresse intenso com esgotamento físico e mental.

Não se trata de condescendência, mas de justiça, abordar o tema de forma íntegra e crítica. Se o jornalismo esportivo deve um tratamento sério à modalidade, o futebol feminino encontrou na mídia independente espaço fértil para sua visibilidade e defesa, que também tem servido como fonte para que as grandes mídias, ainda que poucas, busquem informações para suas pautas.

Abordar o futebol feminino não trata apenas de fixar o olhar na apuração jornalística. Há toda uma série de estudos acadêmicos lançando luz em períodos em que o futebol das mulheres foi “apagado”. O resgate da memória e o futebol das mulheres nos estudos antropológicos, biológicos, estatísticos e de desenvolvimento específico são alguns entre tantos objetos de análise.

Nas universidades, temos um aumento de alunos de jornalismo adotando o tema como trabalho de conclusão de curso, com olhar atento e esmiuçando os detalhes que aos poucos são descobertos.

Se essa lenta, mas óbvia evolução, não é a tradução fiel da importância de se falar do futebol praticado pelas mulheres, meu entendimento sobre “importância” está totalmente equivocado. E, mesmo que eu esteja equivocada sob a perspectiva da norma padrão, do que dá audiência, do que é “importante” para os simplórios, acredito que seguir “filosofando com o martelo” é o único caminho possível para que a história das mulheres no futebol receba a luz do conhecimento que sempre lhe foi negada.

 

Lu Castro

Lu Castro é jornalista e milita em defesa do futebol de mulheres, colaborando com o Museu do Futebol e atuando como colunista dos sites Portal Vermelho, Ludopédio e Futebol para Meninas. 

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